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O sexo do chocolate

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Texto de Bárbara Lopes.

A Páscoa se aproximando e é um momento importante para as mulheres, independente da religião. Afinal, as mulheres AMAM chocolate, não é? Mas, se como disse o Lévi-Strauss uma comida boa não é só boa de comer, é boa de pensar, o que pensar sobre chocolate?

A associação entre chocolate e mulheres entrou para o senso comum, tanto que é um presente frequente de rapazes para suas namoradas – bem que mais que delas para eles – e até no Dia Internacional das Mulheres deu as caras. Mas isso é relativamente novo e nem precisamos voltar para os astecas que acreditavam que o chocolate os tornava mais viris e atraentes para as mulheres. Um histórico feito pela Slate mostra que no começo do século 20 eram as mulheres que, nos anúncios, ofereciam chocolate aos homens. Durante a 2ª Guerra, as propagandas anunciavam o chocolate como o alimento nutritivo e energético de que os soldados precisavam no front e instavam as mulheres a mandarem bombons para os homens que estavam lutando.

N'Dri Chantal Konan, 70 anos, separa sementes da polpa de cacau em Allahteresekro, na Costa do Marfim. Foto: Peter DiCampo/Oxfam America.

N’Dri Chantal Konan, 70 anos, separa sementes da polpa de cacau em Allahteresekro, na Costa do Marfim. Foto: Peter DiCampo/Oxfam America.

Essa associação não surgia do nada. O consumo de chocolate chegou à Europa com as navegações, ao lado de outras bebidas quentes, estimulantes e amargas: o café e o chá. Junto delas, veio o açúcar, que as tornava não só mais agradáveis como tão mais ricas caloricamente. Segundo o antropólogo Sidney Mintz, com a industrialização e urbanização, essas qualidades tornavam as bebidas alimentos para “os doentes, os mal alimentados, os sobrecarregados com trabalho, os muito jovens e os velhos”. Ao mesmo tempo, aponta, esses produtos estão entre as primeiras commodities e sua produção, principalmente no caso do açúcar, se baseava no trabalho escravo.

Ainda hoje, a produção de cacau e chocolate tem um rastro de trabalho altamente explorado, quando não trabalho escravo e infantil. E aqui vemos outro lado da relação entre mulheres e chocolate. Segundo o relatório da Oxfam (PDF):

As mulheres têm um papel fundamental na produção de cacau: elas plantam e cuidam das árvores jovens, liberam as sementes dos frutos e são responsáveis por fermentar e secar o cacau antes da venda. Além disso, ao contrário de outras commodities como soja e chá, que são em geral cultivadas em grandes plantações, 90% do cacau é produzido por pequenos agricultores que trabalham 5 hectares ou menos de terra.

O levantamento mostrou que mulheres que trabalham nessas plantações recebem menos que os homens, isso se forem pagas; muitas sofrem com assédio e discriminação no trabalho e não têm como denunciar; as plantadoras de cacau não têm as mesmas oportunidades de receber capacitação agrícola ou financeira que os homens, entre outros problemas. A Oxfam também constatou que as principais marcas de chocolate – Mars, Nestlé e Mondelez – fazem pouco ou nada para eliminar a discriminação de suas cadeias de produção.

Se hoje as mulheres são vistas primariamente como consumidoras do chocolate, e seu papel como produtoras é invisibilizado, isso se deve em grande parte ao marketing. E uma tendência nas propagandas de chocolate é a associação com o sexo. Às vezes, como um afrodisíaco; mas em outras, como substituto ou participante do prazer sexual. Um bom exemplo é o anúncio abaixo:

O cúmulo da ideia do chocolate como concorrente do sexo para as mulheres foram as notícias dos resultados de uma pesquisa que dizia que mulheres preferem o primeiro ao segundo. Por que mulheres teriam que escolher entre um ou outro eu nunca entendi. Mas algumas explicações para o fenômeno existem. No Sociological Images, Jamal Fahim defende que as propagandas de chocolate tentam superar o tabu que é para as mulheres consumir algo rico em gordura e açúcar. “Como resultado, os anunciantes substituíram o tabu da comida com o tabu do sexo. Eles tornaram o chocolate em uma experiência privada, sexual e auto-indulgente, que evoca um tabu semelhante ao da masturbação”.

Outra explicação, da historiadora Katherine Parkin em entrevista à Slate, é homens têm mais liberdade de se satisfazer com todos os tipos de prazer.

Parkin explica que ‘nossa sociedade no século 20 se tornou mais aberta para a sexualidade feminina, mas as pressões sobre as mulheres são para que se mantenha casta e disponível’. Chocolate permite que mulheres evitem essa pressão e é mais socialmente aceitável para mulheres que outros produtos de consumo, como o álcool.

Barbara Lopes

Lépida e fagueira.

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